1. Introdução
Em toda obra rodoviária, o controle de umidade do solo é um dos fatores mais importantes para garantir a durabilidade e o desempenho estrutural do pavimento.
O solo, quando compactado, deve atingir uma densidade máxima e uma umidade ótima, determinadas por meio do ensaio de compactação Proctor (NBR 7182/1986 – DNIT 141/2010-ME).
Contudo, a umidade ótima (wₒ) é apenas uma condição de referência — obtida em laboratório, sob energia controlada e ambiente estável.
No campo, após a execução e exposição ao meio ambiente, o solo compactado sofre influências de chuvas, evaporação, drenagem e variações sazonais, migrando progressivamente para uma umidade de equilíbrio (wₑ).
Com o passar do tempo, o corpo estradal se estabiliza em torno dessa umidade de equilíbrio — que pode ser maior ou menor que a umidade ótima inicial, dependendo do clima, do tipo de solo e da eficiência do sistema de drenagem.
2. Conceitos Fundamentais
2.1. Umidade Ótima (wₒ)
É o teor de água no qual um solo atinge a maior densidade seca possível para uma dada energia de compactação.
Essa condição é o ponto de melhor arranjo entre as partículas sólidas e a água, otimizando a resistência, a rigidez e a durabilidade do material compactado.
Em laboratório, a umidade ótima é obtida no ensaio de Proctor Normal, Intermediário ou Modificado, dependendo da camada e da especificação do DNIT:
| Tipo de Ensaio | Energia de Compactação (kJ/m³) | Aplicação | Grau de Compactação Exigido |
|---|---|---|---|
| Proctor Normal | 600 | Subleito / Reforço do subleito | ≥ 100% |
| Proctor Intermediário | 1.000 | Sub-base | ≥ 100% |
| Proctor Modificado | 2.700 | Base e materiais granulares de alta resistência | ≥ 100% |
Durante a compactação, busca-se trabalhar próximo à umidade ótima, pois pequenas variações (±2%) já alteram significativamente a densidade e a resistência.
2.2. Umidade de Equilíbrio (wₑ)
Após a construção, as camadas do pavimento entram em contato com o ambiente natural.
Mesmo com drenagem eficiente e revestimento asfáltico, há trocas de umidade com o ar, com o lençol freático e com a precipitação.
O solo tende a buscar uma condição estável de equilíbrio hídrico, na qual as perdas por evaporação são compensadas pela umidade natural absorvida do ambiente — esse é o teor de umidade de equilíbrio.
O valor de wₑ depende de fatores como:
- Tipo e plasticidade do solo;
- Profundidade da camada;
- Eficiência da drenagem;
- Regime de chuvas e evaporação;
- Tipo de revestimento e nível de impermeabilidade;
- Condutividade hidráulica e grau de compactação.
3. Relação entre Umidade Ótima e Umidade de Equilíbrio
A umidade ótima é temporária e controlada (obtida durante a compactação).
A umidade de equilíbrio é permanente e natural, obtida ao longo do tempo.
Assim, a partir da execução da camada, inicia-se um processo de ajuste hídrico, no qual o solo vai ganhar ou perder água até estabilizar-se.
Esse fenômeno ocorre de forma diferente em cada camada do corpo estradal:
| Camada | Características | Tendência após a execução | Relação entre wₒ e wₑ |
|---|---|---|---|
| Subleito | Solo natural compactado, com maior teor de finos e plasticidade | Sofre oscilações mais lentas e profundas | wₑ tende a ser ligeiramente maior que wₒ |
| Reforço do subleito / Sub-base | Solos ou britas graduadas tratadas | Atinge equilíbrio rápido devido à drenagem lateral | wₑ tende a ser igual ou um pouco menor que wₒ |
| Base granular | Alta permeabilidade e rápida variação sazonal | Sofre maior influência de chuvas e evaporação | wₑ tende a oscilar sazonalmente ±3% em torno de wₒ |
Em resumo:
- No período pós-construção, o solo sai da umidade ótima (laboratorial) e busca a umidade de equilíbrio (ambiental).
- Quando o clima é úmido, a wₑ tende a superar a wₒ.
- Quando o clima é seco, a wₑ tende a ficar abaixo da wₒ.
4. Variações Sazonais nas Camadas Estruturais
4.1. Durante a Estação Chuvosa
- A precipitação aumenta a infiltração e eleva o teor de umidade das camadas granulares e do subleito.
- O solo pode atingir estados próximos à saturação, reduzindo o módulo de resiliência e a capacidade de suporte.
- Em climas tropicais úmidos, é comum observar aumento de 2% a 5% no teor de água, levando o solo a ultrapassar o ponto ótimo.
Consequências:
- Redução da densidade seca efetiva;
- Aumento da deformabilidade e recalques;
- Diminuição do CBR (Índice de Suporte Califórnia);
- Possível surgimento de bombeamento (pumping) e trincas prematuras no revestimento.
4.2. Durante a Estação Seca
- A evaporação e a sucção matricial aumentam, levando à perda gradual de umidade.
- O solo torna-se mais rígido, porém mais suscetível a fissuras e retração.
- Em regiões semiáridas, a wₑ pode ficar 3% a 6% abaixo da wₒ.
Consequências:
- Endurecimento superficial e microfissuras;
- Perda de coesão em solos argilosos;
- Redução da capacidade de dissipar esforços cíclicos.
4.3. Transição e Amortecimento Vertical
As camadas mais profundas (subleito) apresentam menor variação de umidade ao longo do ano.
O revestimento e as camadas granulares atuam como um filtro e amortecedor, de modo que as flutuações são mais intensas na base e quase nulas no subleito.
Estudos da FHWA (2004) e do DNIT (Manual de Pavimentação, 2006) indicam que:
- A variação anual média de umidade na base pode chegar a ±3%;
- Na sub-base, ±1% a ±2%;
- No subleito, menos de ±1%.
5. Migração da Umidade Ótima ao Equilíbrio Natural
5.1. Fase inicial (primeiros 3–6 meses)
Logo após a compactação, o solo encontra-se na umidade ótima de laboratório.
A densidade e o grau de compactação são ideais, porém o ambiente ainda não interagiu significativamente.
5.2. Fase de adaptação (6–12 meses)
O solo começa a trocar umidade com o meio:
- A drenagem superficial e lateral inicia o reequilíbrio hídrico;
- O teor de água oscila conforme as chuvas e evaporação;
- O teor médio se desloca gradualmente da umidade ótima para o valor de equilíbrio.
5.3. Fase de estabilidade (após 1 ano)
A umidade das camadas tende a estabilizar-se:
- As oscilações sazonais giram em torno de um ponto médio wₑ;
- O material atinge seu comportamento elástico permanente;
- O pavimento passa a trabalhar em regime natural, com densidade ligeiramente menor que a de laboratório, porém estável.
6. Exemplos Práticos
Exemplo 1 – Região Centro-Oeste (Goiás)
- Solo argilo-siltoso compactado a 100% do Proctor Normal (wₒ = 12%).
- Após 12 meses de serviço:
- Estação chuvosa: w ≈ 14–15%;
- Estação seca: w ≈ 10–11%.
- Valor médio de equilíbrio: wₑ ≈ 12,5%, levemente acima da wₒ.
Exemplo 2 – Região Semiárida (Bahia)
- Solo laterítico arenoso (wₒ = 10%).
- Após estabilização:
- Estação chuvosa: w ≈ 11%;
- Estação seca: w ≈ 8%;
- Valor médio de equilíbrio: wₑ ≈ 9,5%, ligeiramente abaixo da wₒ.
7. Implicações Técnicas e de Projeto
- O controle da umidade durante a compactação deve prever o comportamento sazonal.
- Em regiões muito secas, é recomendável compactar ligeiramente acima da umidade ótima (wₒ + 1%), prevendo perda posterior.
- Em regiões muito úmidas, o ideal é compactar ligeiramente abaixo (wₒ – 1%), prevendo absorção posterior.
- O sistema de drenagem (superficial e profunda) é decisivo para manter a umidade de equilíbrio estável.
- Colchões drenantes, drenos longitudinais e geotêxteis reduzem o impacto das chuvas e evitam aumento de umidade nas camadas inferiores.
- O módulo de resiliência (MR) e o CBR variam com a umidade:
- Para cada 1% de aumento de umidade acima de wₒ, o MR pode cair até 15%;
- Já 1% abaixo de wₒ aumenta o MR em 10%, porém reduz a ductilidade.
- O controle laboratorial e de campo deve ser contínuo:
- Ensaios de umidade e densidade in situ devem ser feitos em diferentes estações do ano;
- Isso permite atualizar o banco de dados de desempenho real da rodovia e ajustar a manutenção.
8. Conclusão
A umidade ótima define o ponto de compactação ideal, mas a umidade de equilíbrio é quem governa o comportamento a longo prazo da estrutura rodoviária.
Enquanto o laboratório busca a máxima densidade, o campo busca o equilíbrio natural.
Com o passar do tempo, todas as camadas do corpo estradal — da base ao subleito — tendem a estabilizar em torno de uma umidade média de equilíbrio (wₑ), que oscila conforme as estações do ano.
Essas variações são inevitáveis, mas podem ser controladas por boa drenagem, seleção adequada de materiais e compactação ajustada às condições climáticas locais.
Assim, compreender a relação entre wₒ e wₑ é essencial para projetar, executar e manter rodovias duráveis, que resistam às variações sazonais de umidade sem comprometer o desempenho estrutural.



